Conversa ao pé do fogo.
Eu tenho um compadre que quase não o vejo mais. Eu em Sampa e ele em Belô. Grande sujeito. Sempre com um sorriso nos lábios. Aquele sim era um protótipo bem feito de que ser feliz é fazer os outros felizes. Nunca teve sede de poder. Sei que é um DCIM até hoje, mas não sei se está na ativa. Fiz o meu primeiro avançado com ele. Éramos de patrulhas diferentes, mas nasceu ali uma grande amizade. Tornamo-nos íntimos em família e além da amizade fomos e somos compadres. Sempre quando vou a BH faço questão de visitá-lo. Este preâmbulo é porque estou sentindo nos últimos anos uma busca enorme pelo poder no escotismo. Ele o meu compadre era inverso disto. Lembro que quando deixei a função de Regional não foi fácil conseguir outro para assumir o lugar. Claro que tínhamos muitos capazes, mas não havia motivação para assumir cargo tão elevado. E na Diretoria? Uma luta.
Não havia ainda a sina de Grande Chefe. Lembro-me do Chefe Darcy Malta. Tinha pose, mas estava sempre junto e presente com os chefes e a escoteirada. O conheci melhor em um Acampamento Distrital de Patrulhas. Não ficava quieto, sempre aqui e ali conversando sugerindo e dizendo que queria aprender. Nos grupos Escoteiros era a mesma coisa. Aceitar a função de Chefe de Grupo não era fácil. Claro havia como existe até hoje os grupos bem estruturados. São grupos onde bons escotistas conhecedores nasceram e ficaram ali para sempre. Em sua maioria há uma liberdade de ação muito grande sem contar que a democracia faz parte de seu habitat. Lembro muito bem quando precisava fazer dezenas de Indabas para tentar eleger um Comissário Distrital. Não era fácil. Ouve um caso em certa cidade que um professor foi eleito quase por unanimidade. Não queria assumir. Dizia que se sentia bem na Tropa.
A Equipe de Formação era unida. Não éramos muitos, menos de vinte, mas pau para toda obra. Não sei se em todos os estados era assim também, mas algum que conheci de perto a tônica da união e respeito era de praxe. Claro que nem tudo que reluz é ouro. As discordâncias, as desavenças e a discórdia nunca deixaram de existir. Desde aquela época que eu me pergunto – Porque esta sede de poder? Não temos salários, não temos projeção nacional a não ser entre os membros do escotismo. Mas nos últimos trinta anos ou mais existe uma luta surda pelo poder. Os que entram não querem mais sair e muitos que estão fora querem entrar. Alguns se tornam Caudilhos em seu estado não faltando aqueles que tentaram ser um deles a nível nacional. O sonho em ser um membro da equipe de formação sempre existiu. É um status que ninguém abre mão. Quem se inicia é de uma disciplina e obediência aos mais aquinhoados que chega a fazer pena. Em alguns casos humilhante mesmo.
Tenho escrito ultimamente sobre a democracia escoteira. Como acredito que ela não existe no escotismo as lideranças se sentem libertas para pensar por todos nós. Eles dizem que sabem o que precisamos. Fazem programas que praticamente são impostos de cima para baixo. Não perguntam nunca se é isto que queremos. São Acampamentos Nacionais, Regionais, Mutirões, Cursos de criatividade duvidosa, Cursos de Monitores, encontros de lobinhos em nível distrital e nacional e assim vão aparecendo os novos donos do poder. Dificilmente aparece algum para programar grandes indabas distritais, regionais, mutirões etc. para que os participantes possam discutir o que pensam e o que querem. Aí sim quem sabe bons programas poderiam surgir. Mas isto não se faz. Cada um que assume uma função acha e luta pela sua nova ideia e quando assustamos lá estão os chefes da sua área fazendo quem sabe o que não querem, mas o Caudilho já tem tudo programado e ai de quem discorda.
Durante as ultimas eleições eu pude checar até onde os escotistas são figurativos. Cada chapa apresentou seu programa. Cada uma prometeu mundos e fundos. Faz parte do jogo político. Não vi e posso estar enganado, nenhuma chapa com propostas de ouvir as ideias de todo seu estado, o que deveria mudar, quais as atividades poderiam ser desenvolvidas, quais os cursos que mais seriam procurados, se estão ou não a favor da uniformização imposta pela UEB, se os estatutos não deveria ser motivo de uma discussão ampla para prováveis modificações. Seriam tantas coisas para “vender o peixe” aos associados que ninguém pensou nisto. Afinal eles sabiam ou achavam que sabiam o que cada um precisa. A mesma coisa acontece de cima para baixo onde o Chefe diz - Eu sei o que os “meus” Escoteiros querem. “Meus” lobinhos não reclamam. O “meu” Grupo Escoteiro está bem estruturado. Eu sei o que os “meus” chefes querem. E assim vai o Distrito a região e nacional. Os caudilhos estão lá às centenas.
Temos caudilhos por todo o lado. Desde os chefes de sessões, dos grupos, dos distritos regiões e nacional. Existe uma luta surda para ser da equipe do presidente. O escolhido logo quer mostrar serviço. Meu Deus! Que serviço? O dirigente não deveria primeiro ouvir o que todos querem? Mas isto é um vicio nacional. A própria UEB sempre foi assim. Lá tem caudilhos aos montes. Antes se perpetuavam no poder agora só podem ficar alguns anos. Mas não se enganem aqueles que passaram a bola para frente sempre estão com o apito na mão. Eles ainda são os donos do jogo. Não sou psicólogo, nem pedagogo. Não entendo nada do que Sigmund Freud foi o papa. Mas esta sede de poder sem salário não é honesta. E mesmo que bem paga não seria assim. As grandes corporações com seus CEOS estão dando um novo formato na estrutura de suas fábricas, lideranças e até países se organizam sobre este prisma.
No escotismo pelo que vejo nada muda e nada se transforma. Tudo vem lá de cima dos órgãos internacionais. Eles já são mestres disto. Uma grande FIFA onde ninguém quer perder o poder. Eu não sei não e nem posso afirmar, mas me disseram que quem manda no escotismo nacional são alguns poucos membros detentores do poder da Equipe de Formação. Verdade ou não no passado era assim. Ela decidia e os demais seguiam. Um amigo me disse uma vez que temos alguns escotistas que nunca foram nada na vida em termo de poder nas suas atividades profissionais. No escotismo encontraram um manancial aberto. Sei que isto é meia verdade. Tem muita gente boa em postos na hierarquia da UEB. Mas o dia em que um caudilho apresentar um plano de desenvolvimento visando ouvir as opiniões de norte a sul do Brasil, mesmo que isto leve anos para se chegar a meio termo então darei minha mão à palmatória. Enquanto isto irão pipocar em todas as eleições as promessas, os planos mirabolantes a espera do reconhecimento por parte dos comandados.
Ave César, os que vão morrer te saúdam!
Um grande sábio pede a Deus mais sabedoria, mais conhecimento, mais entendimento, mais compreensão, mais amor, mais prudência, mais paz; mas o insensato só pede riqueza material, sua ruína é uma questão de dias. Sapienciais 3:5
Osvaldo Ferraz 07/07/2013